domingo, 18 de maio de 2014

Correntezas




(pintura: Tamara Alves)

Cogitou em silêncio: o destino não tem eira nem beira. E gracejou. Bom rir sem testemunha. Fazer-se de louca pode render estória. Aconteceria de aportar em meio ao deserto uma rua, um beco, uma alameda? Ali onde existia cancela. Impossível? Bem capaz de assim ser. Paga-se caro por um analista e a vida segue sem se nunca saber.  


Gosto de épicos.

Assisti Fitzcarraldo de Herzog atravessar a Amazônia num teatro de ópera. Vi tanta coisa no mundo. A esperança é uma ave rara.  Evgen Bavcar fotografa formas sutis na noite escura. E se soubesse atravessar a correnteza entre teus dedos vãos? O mar não tem fim. Pesquisei no google e vi que a causa mais frequente de afogamentos se dá devido a correntes marítimas. A matéria, com uma sabedoria invejável, indica: se o banhista fica preso em uma corrente, o mais importante é que ele mantenha a calma. São denominadas de correntes de retorno. Os nomes traem as coisas.

Dizer para mim – tenha calma - é mesmo que acionar o comando – se desespere. Será por isso? Amores partidos ocupam margens sem espelhos. Conheci um náufrago que me disse que é para sempre. O homem, de nome Antonio, me contou que um tanto dele permanece sem bóia, sem chão. Descobriram antídotos eficazes para todo tipo de veneno e nenhum para a nitidez do que atravessa e fixa a visão.

Daria, quase, tudo por uma dose de ambigüidade.

Domingo é dia de pizza. Distrair-se é um brinquedo. Tomo entre as mãos uma fatia generosa e esqueço. O homem levado pela correnteza falou que persiste em sua boca o acre da maresia. Eu, que nunca fui arrastada, carrego a sina de discernir o paladar de cada coisa. Doce é doce, azedo é azedo, amargo é amargo.  Pouco importa, na extensão da língua emergirá um destino. E flutuará o grito de um naufrágio. 








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